5 de jun. de 2010

Jornalismo local

Resisto um pouco a escrever sobre o jornalismo que se pratica em Uberlândia porque entendo que as condições de sobrevivência de publicações (em especial as impressas) são desafiadoras. Fechar um jornal por dia, com poucos recursos humanos e financeiros, é uma difícil tarefa. Para realizá-la, talvez seja necessário mais criatividade, ousadia, proatividade, interesse, e, principalmente, força de vontade. Isso sem falar na educação, desde o ensino básico até o universitário.
A cidade conta com apenas um jornal impresso diário. Na medida do possível, ele tenta trazer conteúdo interessante e abrangente, mas normalmente não consegue cumprir esse intento. Na edição deste domingo, por exemplo, havia uma matéria no alto da página sobre dados relativos à prática do aborto no Brasil, que a imprensa nacional publicou há pelo menos dez dias.
Uma outra matéria, muito interessante sobre o transporte público, poderia ter ouvido mais usuários antes de partir para uma manchete tão elogiosa à administração municipal. O jornalista apresentou suas críticas em um pequeno trecho da reportagem, onde relatou suas dificuldades ao pegar vários ônibus em diferentes trechos da cidade. Excelente iniciativa. Ele também ouviu um ou dois usuários do transporte coletivo, em meio às milhares de pessoas que utilizam o transporte público todos os dias. Poderia ter explorado mais. Poderia ter ouvido especialistas em transporte público, motoristas de carros que se vêem "espremidos" por ônibus todos os dias nas ruas da cidade. Poderia ter flagrado ônibus que trafegam em alta velocidade, furam sinais, desrespeitam passageiros e pedestres.
Quando leio jornais e revistas locais, chama a minha atenção a carência para a produção de conteúdo local. Os telejornais conseguem apresentá-lo com maior frequencia, até porque suas matérias necessariamente precisam de imagem e entrevistas. Não são meros reprodutores de conteúdo produzido por agências noticiosas ou articulistas que querem divulgar seu nome. Mesmo quando pegam um tema nacional ou de agência noticiosa, buscam repercutí-lo localmente.
Reflito sobre o que leva a este cenário. Baixos salários? Falta de pautas? Falta de recursos para ouvir a população, fazer pesquisas, rodar pela cidade atrás de temas interessantes? Sei que existem justificativas e elas são plausíveis, mas vale a pena refletir: seria possível fazer de outro jeito?
Produzir um jornal, revista ou telejornal é matar um leão por dia. Os anunciantes da cidade não têm a cultura da mídia impressa, que por algum motivo consideram menor. Mas as dificuldades financeiras permeiam a mídia como um todo. É caro manter uma estrutura jornalística em funcionamento, com profissionais capacitados, pautas desafiadoras, com tempo para a produção de reportagens de qualidade.
Em Franca, cidade onde nasci, tem um jornal que até alguns anos atrás era péssimo. Mal escrito, mal editado, mal produzido. O filho do dono foi estudar jornalismo e fez uma revolução no periódico. Matérias melhores, plataformas unificadas (impresso e on line), profissionais mais capacitados, interação com leitores por meio de um conselho que se reúne periodicamente. A prioridade é o conteúdo local. Um caderno específico, chamado Brasil, traz as notícias do estado e do país.
Aos domingos, o jornal chega parrudo, com vários cadernos, todos ricos em conteúdo, principalmente local. Recentemente, acompanhei duas grandes reportagens feitas pelos profissionais de lá: uma sobre um prédio abandonado onde pessoas viviam como bichos e que mobilizou a cidade. Outra sobre pedofilia na igreja católica. Na primeira, o repórter e seu colega fotógrafo entraram no prédio abandonado, insalubre, ouviram histórias de vida, foram atrás das autoridades, do dono do prédio, das instituições que poderiam mudar aquela realidade. O tema foi trabalhado em diversas edições, provocou mudanças na realidade da cidade e fez com que todos refletissem a respeito. Ganhou repercussão nacional.
No segundo caso, um padre idoso, com reputação considerável, foi acusado de pedofilia por várias pessoas. O jornal ouviu as vítimas, o padre, a igreja, os católicos, os juristas e quantos mais tivessem algo a acrescentar. A discussão acendeu-se na cidade, o bispo afastou o padre e deixou que a justiça fizesse seu trabalho. O jornal colocou a mão em um vespeiro, numa cidade pequena, tradicionalmente católica. E bancou a briga.
Recentemente, Eugênio Bucci, jornalista que hoje é professor da Universidade de São Paulo, escreveu um texto fantástico para o Observatório da Imprensa, onde apresenta sua definição sobre o que é jornalismo. Reproduzo apenas alguns parágrafos:

  • O jornalismo é a profissão dos que se encontram socialmente encarregados de atender o cidadão em seu direito à informação.
  • Essa profissão se define por um conjunto das práticas, lícitas e legítimas, que se estendem dos procedimentos de apuração dos fatos a padrões discursivos que os noticiam, em diálogo com as fontes e com o público. Nesse sentido, o jornalismo é um método de conhecimento imediato do mundo, baseado na reportagem (investigação) e uma narrativa específica, com base na precisão e na objetividade.
  • Tanto a reportagem quanto a narrativa específica que ela enseja – o relato noticioso e o debate das idéias e de interesse público – se definem pela independência. Para noticiar os acontecimentos e as manifestações que afetam a expectativa dos cidadãos em relação ao seu futuro próximo, à sua identidade e aos seus direitos, a imprensa precisa demarcar sua liberdade prática e cotidiana.
  • Visto dessa perspectiva, o jornalismo é o método pelo qual a instituição da imprensa age na democracia, um método cujo centro se apóia na independência em relação ao poder político e ao poder econômico.
Uberlândia merece um jornalismo melhor, mais plural e voltado para os interesses da sociedade. Acredito que tem muita gente trabalhando para isso. Talvez falte apenas a concretização.

Nenhum comentário: