25 de jun. de 2011

Vestido púrpura

Fonte: http://lkthayer.wordpress.com/
Há muitos anos, li pela primeira vez um poema, que começava assim: "quando envelhecer, vou vestir púrpura", de Jenny Joseph. Era sobre uma mulher que narrava todas as coisas que gostaria de fazer quando ficasse velha, longe da necessidade de obedecer às convenções sociais. No final, ela cai na real: para que esperar envelhecer? Ela iria começar a vestir púrpura a partir daquele momento, para praticar e evitar que as pessoas se chocassem com uma mudança súbita demais.
Por que lembrei deste texto agora? Porque cada vez mais quero viver a vida de acordo com minhas crenças, meus gostos e minhas escolhas.
Quero usar minhas meias coloridas, pintar minhas unhas em tons vivos, cantar alto enquanto caminho, conversar com meus cachorros enquanto passeamos pelo bairro. Quero acreditar que as pessoas, a princípio, têm alma boa e não vieram ao mundo para nos sacanear. Quero ser gentil com meus vizinhos, com meus alunos, com amigos e colegas. Quero curtir minha solidão, embora não goste de ser sozinha. Quero viver meus 40 e poucos anos sem temer rótulos, sem temer mudar de idéia, sem seguir o script que traçaram para a mulher dos tempos modernos. Não quero fingir que certas coisas estão nos seus perfeitos lugares, quando na verdade sei que não estão.
Quando eu era mais nova, lembro-me de usar um sapato amarelo com um laço em cima. Minha mãe odiava, mas eu não tirava do pé. Tinha um macacão púrpura que não tirava nunca, até que ele ficou tão desbotado que nem chegava a ser lilás. Meus cabelos, algumas vezes coloridos, outras vezes irregulares, curtos, longos, anelados, lisos, enfeitados com flores, tiaras e chapéus. Amigos esquisitos. Mania de estudar até de madrugada. Eu era uma adolescente esquisita, virei uma mulher esquisita e acho que serei uma velha esquisita. Mas afinal, esquisita por que, cara pálida? Esquisita porque comecei a vestir púrpura desde muito cedo.
Tenho um tênis all star púrpura. Que combina com um vestido do mesmo tom. Adoro cantar enquanto caminho no Parque do Sabiá. Algumas vezes danço. Detesto sair em companhia de pessoas cujo único objetivo na vida é encontrar um par (embora eu queira muito isso!). Perco a paciência com quem julga pelas aparências, embora algumas aparências tenham fortes indícios de serem verdade. Tenho um milhão de defeitos. Alguns bons amigos. Adoro tomar cerveja. Sou muito boa de garfo. Adoro conversar com estranhos na rua e cumprimento sorrindo todos os que cruzam comigo em minhas caminhadas.
A cada dia aprendo que quero viver de acordo com o que acredito. Quero ter a liberdade de ficar sozinha e de escolher com quem ficar. Quero ser inteligente e não ter vergonha disso. Uma nerd assumida e feliz. Quero que meu caminho se cruze com gente que tem conteúdo. Quero ter estabilidade financeira para ser cada vez mais dona do meu nariz.
Quando envelhecer, não vou vestir púrpura. Vou vestir as cores do arco íris na alma. Vou ser feliz. E vou começar hoje. Agora. Já.

Para quem ficou curioso, segue o poema de Jenny Joseph, chamado "Aviso".

"Quando ficar velha, quero usar púrpura .Com chapéu vermelho, que não combina e fica ridículo em mim.Vou gastar o dinheiro que tenho em uísque, usarei luvas no verão, e me queixarei que falta manteiga em casa.Vou sentar-me no meio- fio quando estiver cansada, comerei todas as ofertas do supermercado, tocarei as campainhas dos vizinhos, arrastarei meu guarda-chuva nas grades da praça, e só assim me sentirei vingada por ter sido tão séria durante a juventude.Vou andar de chinelos, arrancar flores do jardim dos outros, e cuspir no chão.Vou usar roupas horríveis, engordar sem culpa, comer um quilo de salsichas no almoço, ou passar uma semana só na base do pão e picles.Vou juntar caixinhas, lápis, e rótulos de cerveja.Mas, enquanto ainda sou jovem, preciso de um tipo de roupa que me deixe seca em caso de chuva, tenho que pagar o aluguel, não posso dizer palavrão na rua, sirvo de exemplo para a infância, preciso ler jornal, estar informada, convidar meus conhecidos para jantar.Por isso, quem sabe eu deveria começar a treinar desde agora? Assim ninguém vai ficar chocado quando de repente, eu ficar velha e começar a usar púrpura." (Jenny Joseph)

3 comentários:

Família Bloco disse...

Adoro esse poema e adoro você amiga. Te admiro muito. Bjo

Anônimo disse...

Dri, esse é um dos seus mais belos posts (apesar de todos serem ótimos)...mas esse tem a sua cara, a sua essência, o seu jeito doce e sincero de ser, tem o seu jeito especial de olhar o mundo e de entender as pessoas que nele vivem....ah, se fossémos todos "Adrianas, vestidos de púrpura", o mundo poderia estar bem melhor...Um super beijo para você cheio de púrpuras, cores, realizações, enfim...com tudo q vc merece...Abs, de quem te admira como mulher, amiga, professora, profissional e minha pra sempre chefe...Virgínia

Anônimo disse...

Nossa adorei o texto, muito profundo. Comecei a rir com "Eu era uma adolescente esquisita, virei uma mulher esquisita e acho que serei uma velha esquisita", pois me sinto assim também, não gosto de me forçar a certas coisas apenas para ser como os outros.

Abraços