Não sou terapeuta, mas dizem que muito do que somos no presente é de alguma maneira reflexo das experiências que vivemos quando éramos crianças. De alguma maneira, elas grudam na alma da gente e ficam lá, do jeito que a gente conseguia entender com a cabeça de criança. Isso pode originar coisas boas e também coisas com as quais teremos que aprender a lidar, dependendo do tipo de educação que a gente tiver.
Meus pais, como todos os pais do mundo, fizeram um bom trabalho. Deram algumas mancadas, afinal, ninguém é perfeito... perfeito... perfeito... Mas hoje, quando olho para trás, vejo que chegou minha hora de agradecer aos meus pais pela pessoa que sou. E entendi isso ontem, ao assistir a uma apresentação da Orquestra Filarmônica de Minas Gerais, em um belo espetáculo ao ar livre, sobre o qual já escrevi bastante aqui. Mas... o que isso tem a ver com meus pais? Por que agradecê-los só agora, se eles fazem tudo por mim há 41 anos?
A música de ontem me levou para a infância. Desde muito cedo, meus pais se preocuparam em nos deixar um legado: cultura. Não me lembro quando foi a primeira vez que fui a um concerto, mas eu era bem criança. A música clássica é de uma beleza ímpar, que toca a alma de uma maneira muito profunda. A tal ponto que na menina que fui um dia, ela ficou gravada como sinônimo de perfeição.
Meus pais levavam a mim e a minhas irmãs nos mais diferentes eventos. Teatro, cavalhadas, shows, cinema, dança. Eles se preocuparam em desenvolver em nós o gosto pela leitura. Lembro-me que meu pai tinha uma imensa mala vermelha, onde ele trazia gibis do Tio Patinhas, a revista Manchete e livros, muitos livros, da Editora Abril. Primeiro vieram os clássicos escritos para que jovens pudessem entender Alexandre Dumas e Julio Verne. Depois autores brasileiros como Monteiro Lobato e as peripécias da Emília, Edy Lima com a hilariante Vaca Voadora, Maria José Dupre e as aventuras do Cachorrinho Samba. Meu pai dizia que deveríamos ler de tudo, independente da ordem. Quer um gibi? Uma revista? Um livro? Não importa o que vai ler, mas leia.
Lembro-me até hoje de uma das personagens da Vaca Voadora, que morreu de rir depois de ser pedida em casamento. E da Emília que falava sem parar e para todos os problemas usava seu pó de pirlimpimpim. Tivemos um cachorro chamado Samba por causa do livro, um fox terrier que fugiu de casa por não gostar de solidão.
Minha mãe me incentivou a pintar. Mesmo sem condições, me matriculou em uma escola de desenho, onde desenvolvi um pouco um talento que, anos depois, deixei morrer. Ela era o lado racional da família, o alicerce emocional e financeiro. Ela nos ensinou a assumir responsabilidades desde cedo. Depois que meu pai morreu, nós assumimos os cuidados com a casa. Almoço, arrumação, tudo era por nossa conta. Eu gostava de arrumar a casa aos sábados, antes de ela chegar do trabalho. Gostava de deixar tudo brilhando. A gente tirava pó das centenas de livros e discos na estante, encerava o chão, fazia almoço. Criança tinha responsabilidades e elas eram cumpridas com prazer algumas vezes, com birra em outras.
Essa experiência me ensinou a ter amor pela minha própria casa. A gostar de ter tudo sempre arrumado, a gostar de cozinhar, de inventar. Lembro que eu morria de medo de acender fósforo e de fritura. Mas aprendi a cozinhar mesmo assim, para uma família de cinco pessoas. Eu devia ter pouco mais de dez anos de idade.
Meu pai me ensinou a gostar de arte. Minha mãe me ensinou a ser prática. Meu pai me ensinou a sonhar. Minha mãe me ensinou a realizar. Eles diziam que eram como "o feijão e o sonho", livro de Orígenes Lessa que tornou-se novela na década de 70.
Cada um à sua maneira, elas foram responsáveis por fazer de mim o que sou hoje. Com defeitos, muitos defeitos... e algumas qualidades. Mas o que mais agradeço, todos os dias, é porque meus pais me deram educação, me deram cultura, me deram berço. Nunca fomos ricos, financeiramente falando, mas sempre fomos ricos. O amor que tenho pelas letras, pela música, pelas artes, por cinema, por livros... devo tudo isso a eles. Meus pais me ensinaram que vale a pena ser gentil, vale a pena acreditar em mim. Eles sempre me disseram que eu conquistaria tudo o que quisesse. Esqueceram de dizer que haveria dificuldades, momentos de solidão e dor. Mas eles me prepararam da melhor maneira possível.
Infelizmente, vivo esquecendo de agradecer aos meus pais. Um deles, meu pai, já está do lado de lá. Ontem, enquanto ouvia a Filarmônica executando "O Guarani", pude ver seu rosto me dizendo que não preciso agradecer. Ele me disse que está sempre comigo, onde eu estiver. Ele, que tanto apreciou música clássica, passou por ali apenas para dizer que está orgulhoso de mim. As lágrimas caiam fortes. Minha mãe continua firme e forte. Ela sempre diz "Eu te amo" quando desliga o telefone, em nossas conversar dominicais que seguem firmes há mais de vinte anos.
Ontem, durante a apresentação da Orquestra, eu agredeci aos meus pais milhares de vezes, por fazer de mim a pessoa que sou. Agradeci a Deus por ter me dado esses dois como pais. Como em tudo na vida, há acertos e erros, mas creio que eles fizeram um bom trabalho.
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