2 de ago. de 2010

Bateu uma saudade!

Cresci em uma geração que poucas vezes se questionou a respeito de cidadania. Quando crianças, mesmo sendo de classe média, tínhamos acesso à maioria dos bens que uma família precisava para ter uma vida digna. Morávamos de aluguel, meu pai tinha um fusquinha que chamava de "Pois É", estudávamos em escola pública, tínhamos cachorro... uma vida normal e regular, como a de qualquer família.
No supermercado, a gente comprava as coisas a granel. Arroz e feijão ficavam em tonéis de papelão grossos. A gente pegava um saco de papel, uma caneca velha e muitas vezes amassada, e media. Um quilo, dois, três... Punha no saco, fechava e levava para casa. A Coca Cola, quando sobrava dinheiro, era comprada em garrafa de vidro, o casco. Para comprar uma garrafa cheia, tinha que levar um casco vazio. E eles ficavam embaixo do tanque, juntava poeria. Era coisa de almoço de domingo. E olha lá. A garrafa dava certinho um copo para cada um. E a gente bebia devagarzinho, quase economizando...
Não existiam tantos produtos, tantas marcas, tantas opções que acabaram por se tornar uma ameaça aos recursos não renováveis do planeta. A gente não se preocupava em usar filtro solar e férias sem descascar a pele depois de tomar muito sol no clube ou na casa da vó eram férias incompletas. Cachorro comia resto do almoço e andava na rua com a gente brincando com todas as crianças. Dia de banho no cachorro era uma festa. Menino, por volta dos 10 anos, ia sozinho para a escola, levando os irmãos mais novos. E tinha que ser de uniforme. Camisa branca, calça azul marinho e sapato buzolin. No colégio, não tinha tanta diferença entre rico e pobre, o buzolim era o mesmo sapato feioso. Acho que nem tinha cantina. A gente comia merenda oferecida pela escola. Sopa, arroz doce, bolo. Criança, desde pequena, ajudava nas tarefas de casa, ia na venda, cozinhava. Presente era no Natal, Aniversário e Dia das Crianças, ainda assim, até uma certa idade. Depois já não era mais criança. Nunca entendi direito por que, mas o limite para minha mãe eram os 13 anos.
A gente gerava menos lixo, reciclava mais as coisas. A roupa de uma irmã passava para a outra. Os livros escolares também. Resto de comida ia para o cachorro. Não se comprava nada se não fosse necessário. A casa tinha TV, mas demorou a ter rádio. Carro era coisa de luxo e o "Pois É" significou quase uma ascenção. A gente tinha conta na venda, mas ai da criança que pegasse coisa sem pedir. Dinheiro para bala, a gente ganhava da avó e comprava tudo em bala soft e chita, as melhores desse mundo. Nosso maior medo era do olhar da mãe. Ele dizia tudo. Dependendo do viés do olhar, menino já sabia que estava encrencado.
Naquele tempo a gente não se antenava para o que seria o amanhã. Não percebia que os recursos se tornariam escassos. Não reparava que aos poucos as vendas a granel foram cedendo lugar para os pacotes. Não percebeu que o fusquinha foi substituído por um modelo mais moderno, com um consumo bem maior de combustível.
De vez em quando me dá muita saudade de tudo isso. Em especial quando preciso comprar uma bateria de celular e ela custa mais caro que o aparelho. Quando compro uma impressora que até sai barata, mas cujo principal insumo, a tinta, me obriga a gastar sempre mais. Quando a veterinária me diz que não posso dar restos de comida para minha cachorra, tem que ser ração e de preferência cheia de mequetrefes.
Faço parte desse mundo moderno, vivo de acordo com suas leis. Mas tem hora que me dá saudade de voltar para casa carregando a caixa de compras da venda, de raspar a vasilha do bolo com o dedo e de ficar em torno da minha avó enquanto ela assava biscoitos.

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