Dez horas da manhã. Um motorista atropela um cachorro na porta da minha casa. Deixa para trás o bichinho gritando e foge. Vizinhos acodem.
Seis da tarde. Um motorista bate por querer em uma motociclista em uma das esquinas da Segismundo Pereira. Deixa para trás uma mocinha no chão, a moto estragada. Ele foge. Vizinhos acodem.
Um mesmo dia. Uma mesma rua. Quase os mesmos vizinhos. Acabei me envolvendo nas duas situações, pela minha incapacidade de ver uma pessoa ou animal precisando de ajuda e não fazer nada. Mas chamou-me a atenção a indiferença dos passantes.
No caso do cachorrinho, desci e fui até onde ele estava. Em seu desespero, ele tentou voltar para casa mas ficou preso entre as grades do portão. Ele chorava tentando entrar. A família não estava em casa. Eu fiz de tudo para tirá-lo de lá, mas não consegui. Uma senhora parou para me ajudar. Por sorte, os donos da casa voltaram logo e levaram a pobrezinha para o veterinário.
Horas depois, já no fim da tarde, vi o acidente com a moça, quando voltava para casa de carro. Ela caiu bem no meio da avenida, em um cruzamento sem semáforo, por onde passam muitos carros. Parei na hora e coloquei meu triângulo na tentativa de impedir que os carros passassem por cima da moça. Outros motoristas fizeram o mesmo. A polícia demorou a chegar. O socorro demorou quase uma hora. E a moça ali, no chão, cercada por pessoas desconhecidas que seguravam sua mão e tentavam acalmá-la.
Dos dois lados da Segismundo, motoristas insensíveis queriam cruzar a avenida a todo custo. Alguns passaram por ela muito próximos, sem perceber que ali no asfalto, era uma pessoa esperando socorro.
A polícia chegou e a moça continuou ali. Testemunhas contaram que o motorista do carro estava atrás dela no cruzamento. Como ela não queria arriscar-se a atravessar rapidamente a via, ele passou, literalmente, por cima dela. Alguém anotou a placa. Tomara que essa criatura abjeta seja localizada e, no mínimo, tenha muita dor de cabeça para livrar-se do problema que causou.
Indignou-me o fato dos outros motoristas não buscarem rotas alternativas. Muitos passaram próximos à cabeça da menina. Pedestres se posicionaram no meio da rua tentando isolar o trânsito. Motoristas deixaram seus triângulos. Mas nem assim eles paravam. Fiquei pensando que essas pessoas não devem ter filhos, pais, irmãos, maridos, esposas... Quem estava ali no chão era uma desconhecida para aqueles motoristas insensatos, mas era a filha de alguém, a irmã de alguém. A esposa de alguém.
Estamos nos tornando muito insensíveis. Queremos seguir com nossos carros para chegar logo e cumprir nossas obrigações. Um pequeno desvio, para evitar passar perto de uma pessoa sofrendo no chão deve ser algo muito difícil de se fazer quando se está com pressa. Uma pessoa no chão. Um cachorro no chão... Nossa humanidade no chão.
Na semana em que uma pessoa foi assassinada no Center Shopping, outra num bairro qualquer da cidade, um vereador agrediu a esposa, um cachorro e uma mocinha foram atropelados. Os assassinos fugiram. O vereador fugiu. Os motoristas fugiram.
Corriqueiros fatos que já não parecem nos afetar mais. Também fugimos das tristes coisas que cercam as ruas de nossas cidades. Fujamos da indiferença.
2 comentários:
A indiferença é de fato, um péssimo sentimento, quando a gente sofre por ela, aprende que nunca podemos agir da mesma forma com outro ser.
Um abraço.
Ontem, passei por aquela rua e vi o acidente, já no momento do resgate da mocinha, ontem fiquei muito tempo pensando nela, gostaria de saber como ela esta, se esta bem...compartilho da mesma indignação sua Adriana.
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