Graduei-me em jornalismo no início dos anos 90. Pouca coisa do que aprendi na faculdade continua válido, aconteceram muitas mudanças sociais, políticas, tecnológicas e demográficas, para ficar apenas nessas. Mas uma coisa que aprendi na Universidade Estadual de Londrina continua mais viva do que nunca: o uso adequado das palavras. Tive um professor que me repreendeu uma vez porque usei o termo "vulgo" para referir-me ao apelido de uma pessoa. Ele me disse que esse termo tinha conotação negativa, mais usado no campo da linguagem policial. Orientou-me a usar "conhecido como...". Foi uma lição da qual não me esqueci. Outra coisa que esse mesmo professor me ensinou: "se estiver em dúvida quanto ao uso de uma palavra, troque-a por outra". A língua portuguesa permite isso, dada a sua riqueza.
Esse aprendizado me voltou forte hoje, quando abri o Jornal Correio e li na coluna sobre política o título "Rebanho em crescimento", referindo-se a uma pesquisa que aponta o crescimento do eleitorado na cidade. A palavra "rebanho" pode ser utilizada para referir-se a animais (gado, ovelhas, cabras) e também a pessoas que se deixam guiar, e algumas vezes manobrar, por alguém. Entendo que o autor da coluna quis dar este sentido ao título, mas considero que houve uma infeliz escolha de palavras.
Se o termo foi utilizado para chamar o leitor (e eleitor) de gado, nem preciso comentar. Se foi para referir-se a pessoas que seguem um líder político sem criticidade, como massa da manobra, isso também me deixa indignada. Vivo em Uberlândia há mais de 15 anos. Voto aqui desde então. Participei de vários movimentos comunitários, como a Central de Voluntariado, no início dos anos 2000. Sou professora e educo jovens. Faço mestrado. Leio jornais. Converso com pessoas críticas e que me ensinam muito. Embora saiba que existe sim muita manipulação na política, não me considero parte de um rebanho esperando passivamente pelas "cordinhas" de alguem manipulador que me levará para onde quiser. Considero-me alguém que escreve minha história.
Ser chamada de parte de um "rebanho" em um jornal diário me fez sentir ofendida. Talvez porque gosto de ser gente, cidadã, de votar conscientemente. Acredito na construção de uma cidade mais justa, mais honesta. Como professora, busco contribuir para formar cidadãos críticos, que vão contribuir para um país melhor.
Muitas vezes leio no jornal local coisas que me deixam chateada, mas dessa vez fiquei indignada mesmo. Pode parecer algo pequeno, talvez uma tempestade em copo d´água. Sim, talvez. Mas também acredito que um jornal tem papel dialógico e temos que fazer nossa parte em criticar, mostrar que alguma coisa nos ofendeu ou não corresponde à verdade. Escrevi um email para o autor da coluna antes de escrever este post.
Uma vez assisti a uma palestra na Unitri, para estudantes de jornalismo, onde o palestrante perguntou quantas pessoas liam jornal. Algumas poucas levantaram a mão. Ele perguntou por que as pessoas não liam. Muitas alegaram desinteresse ou problemas relativos à abordagem das matérias. Ele então provocou: "quantos de vocês já enviaram uma carta para o jornal questionando ou criticando alguma coisa?". Ninguém levantou a mão. Ao que ele retrucou: "então, como vocês querem um jornal melhor?"
Fazer jornal é um desafio grande. Envolve investimentos e profissionais de qualidade. Mas envolve também um retorno ao básico, que é tratar o leitor com respeito. E isso passa pela escolha adequada das palavras. O "Caso Bruno" tem sido outro exemplo de mau uso das palavras. A lei brasileira diz que todas as pessoas são inocentes, até que se prove o contrário. Nas matérias jornalisticas, os envolvidos não tem sido chamados de "acusados". Normalmente eles são os "envolvidos" ou "culpados" pelo desaparecimento da Eliza Samudio. "Acusados do sequestro, acusados da morte, acusados de sequestrarem o bebê". Essa palavrinha faz diferença. Ao final, pode ser que tudo venha a ser provado, eles sejam julgados e condenados, mas a imprensa terá feito a cobertura correta, respeitando as regras e leis que foram criadas por algum motivo.
Palavras tem poder. Elas podem encantar, ofender, mobilizar, ensinar, orientar. No meu caso, como leitora, ser chamada de parte de um rebanho em plena manhã de domingo me deixou triste. Muito triste.