Há muitos anos, ela bateu na minha porta pela primeira vez, pedindo algum dinheiro ou algo para comer. Dei alguma coisa, fechei a porta. Pronto, consciência tranquila. Dias depois, ela voltou. Dessa vez, além de comida e dinheiro, ela queria um dedo de prosa. Eu, impaciente, fiquei ali, porta entreaberta, sem querer estender muito a conversa com aquela senhora suja, mal vestida e cheirando mal. Mas ela me contava das doenças, dos filhos, da vida dura. Ao seu lado, sempre, um cachorro. Também sujo, também cheirando mal, mas sobretudo fiel.
Seu nome era Dona Anita. Depois daqueles primeiros dias, semanalmente ela batia à minha porta. Comida, dinheiro e um dedo de prosa. Ela perguntava de tudo. Se eu era casada, se tinha filhos, onde trabalhava, se gostava de manga. Ela contava de sua arte de fazer sabão, dos braços envelhecidos que ainda catavam lixo nas ruas para vender, dos filhos doentes e violentos, do casebre onde morava. O cachorro sentava-se na porta de casa e ficava ali, apenas observando.
A partir de determinado momento, resolvi "adotar" Dona Anita, dentro do meu medo. Passei a fazer uma compra mensal para ela. Além dos itens básicos, itens de higiene para ela cuidar da pele doente, muito leite para ela fortalecer os ossinhos frágeis, verduras, frutas, carne. Eu saía do supermercado diretamente para a casa dela, onde entrava com medo dos filhos, sempre de cara feia, sujos, bêbados, desconfiados. Com o tempo, acostumei-me com eles e eles comigo. Sabiam que eu era a moça que levava a compra para Dona Anita.
Para retribuir, ela continuava me visitando. Às vezes me trazia ovos, que as galinhas que teimava em criar no quintal imundo botavam aos montes. Trazia também sabão, que seus braços de mulher velha e forte ainda conseguiam fazer. Trazia mangas e bananas que nasciam em seu quintal. Em sua simplicidade, ela me dava o pouco que tinha, em troca do pouco que eu dava.
Dona Anita era bem velha, sofrida, vítima do abandono e dos maus tratos dos filhos que, além de todos os males, abusavam sexualmente dela. Quase no final de sua vida, ela ficou muito doente. Consegui que um asilo a aceitasse. Fizeram exames médicos e constataram os casos de violência, de degradação e dor. Ela foi internada, fraquinha, fraquinha... Pouco depois morreu. Perto do Natal. Eu estava fora da cidade, mas fui avisada. Nada a fazer.
Tempos depois reparei que o cachorro continuava na porta do casebre onde ela vivia. Os vizinhos davam comida. Os filhos venderam o terreno imundo, mudaram-se para outro canto. Mas o cachorro continuou ali, por muitos e muitos anos. Sempre que o via, lembrava de Dona Anita, uma velhinha abandonada.
Hoje passei por lá e não vi mais o cachorro. O terreno ganhou um muro fechado, não se vê mais nada. Penso que ele deve ter ido encontrar com Dona Anita, onde os dois perambulam juntos pelas ruas do céu. Onde quer que esteja, saiba que fiz o melhor que pude, em meu egoísmo, em minha falta de paciência. Bem que podia existir uma lei de adoção legal de pessoas idosas, para que pudéssemos cuidar delas com o respeito que merecem.
Para fechar, um belo texto sobre a velhice. Clique aqui.
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