Fonte: http://www.urbanistas.com.br/ |
Graduei-me em jornalismo na década de 90, pela Universidade Estadual de Londrina. Entre as coisas que aprendi e que parecem não ter envelhecido, estão o cuidado com a apuração dos fatos, ouvir os diferentes lados de uma questão, redigir com objetividade (embora isso seja diferente de neutralidade) e, principalmente, a usar de maneira adequada a língua portuguesa.
O Jornalismo mudou muito. No entanto, algumas estruturas permanecem as mesmas, entre elas o "lead", termo em inglês que indica as informações principais que devem ser esclarecidas na abertura de um texto qualquer. Se bem me lembro das aulas da faculdade, o lead foi criado em um contexto em que os jornais precisaram enxugar o número de páginas, devido aos altos custos do papel. Foi uma alternativa aos textos longos, cheios de detalhes e opiniões, onde muitas vezes a informação principal vinha escondida no rodapé, depois de um longo "nariz de cera". Penso que essa terminologia nem exista mais.
A pirâmide invertida, termo clássico no jornalismo há nem sei quantos anos, parte do princípio de que o texto jornalístico começa com o mais importante. O Lead responde às perguntas "O que, quem, como, quando, onde e porque". Para dar maior riqueza aos textos, eles passaram a desdobrar-se em retrancas, ou boxes, muitas vezes ocupados por personagens ou histórias paralelas que servem para reforçar o texto principal.
Trabalhei alguns anos como repórter e era comum a gente sair da redação com a matéria pronta na cabeça. A estrutura do texto se formava, o personagem se delineava, as perguntas buscavam as respostas que queríamos ouvir. Algumas vezes isso acontecia, outras não. Muitas vezes voltei para a redação e derrubei a matéria, porque não tinha um bom conteúdo, o personagem era fraco ou não condizia com o que havia sido pensado pela pauta.
Anos depois, como assessora de imprensa, do outro lado do balcão, passei a sugerir pautas e auxiliar jornalistas na produção de suas matérias. Muitas vezes as empresas onde trabalhei foram alvo de críticas e crises, mas sempre acreditei que relacionamento com a imprensa se constrói com base em conteúdo de qualidade.
Dia desses, um amigo, ciclista de fim de semana, foi entrevistado por uma emissora de TV local que o classificou como profissional, participante de competições nacionais. Justo ele, que começou a pedalar há pouco tempo e no máximo faz trilhas nos arredores da cidade. Contou-me que a repórter começou perguntando sobre o tempo que ele pedalava, mas não foi mencionado nada sobre competições ou atuação profissional. A jornalista provavelmente criou essa classificação para fazer com que seu personagem coubesse na pauta. Ela pode ter se confundido, claro, mas o erro foi feio e contribuiu para que esse meu amigo questionasse a credibilidade do veículo.
Hoje, no jornal local, foi publicada uma decisão judicial a respeito do uso da foto de um adolescente trabalhador em uma matéria sobre jovens infratores. Pelo que pude entender, o menino foi fotografado para uma matéria que falaria sobre adolescentes trabalhadores, mas houve uma inversão e a matéria falava de jovens infratores e usava sua imagem para ilustrar. Ofendido, ele processou o jornal e teve ganho de causa, anos depois do ocorrido. Provavelmente, algum jornalista achou que o impacto seria maior se o menino trabalhador fosse transformado, pelo poder de uma legenda, em infrator.
Muitas vezes vemos no jornalismo local matérias mal redigidas ou ainda com a apuração de apenas um dos lados. Li há algum tempo matéria que falava sobre as mesas de bares nas ruas. Ouviram donos e frequentadores de bar. Ouviram os legisladores. Não ouviram os pedestres, que são os maiores afetados pelas calçadas ocupadas com mesas e cadeiras. Muitas vezes, precisam andar nas ruas.
Vejo descaso com as normas do jornalismo na TV, no impresso, no rádio, no on line. Temos três faculdades de jornalismo na cidade, uma pública e duas particulares. Temos excelentes profissionais. Para complicar um pouco, decide-se pelo fim da necessidade do diploma para o exercício da profissão. Isso faz refletir.
Uma vez, tive a chance de atender ao jornalista Fábio Pannunzio, da Band, em Minaçu (GO), quando trabalhava em uma mineradora. A matéria dele era sobre os malefícios que a mina poderia causar à saúde das pessoas. Quando ele chegou lá, teve a chance de visitar a mina, falar com executivos e com trabalhadores. Conversou com gente da cidade, andou e por fim, derrubou a matéria. Na época, ele me disse que sua pauta eram os problemas de saúde gerados pela mina. Como a realidade que ele encontrou foi diferente, preferiu derrubar a matéria e pronto. Para que inventar?
Atendi também um jornalista do jornal O Globo, de Brasília. Este, mesmo sem encontrar fatos concretos, estruturou sua matéria em frases como "todo mundo diz", "parece que", "tudo indica", "mais da metade da população" e outras do gênero, sem ter conseguido uma fonte que confirmasse suas afirmações. O jornal resolveu publicar e acabou processado e tendo que se retratar pelos fatos que o menino inventou.
Sou jornalista por escolha e, mesmo trabalhando em organizações, procuro me ater aos fatos, identificar o que realmente é notícia e preparar porta vozes que possam transmitir credibilidade e contar boas histórias. Alguns princípios não morrem nunca e o bom jornalismo existe, mas temos que nos manter vigilantes. Sempre.
Um comentário:
Nossa Dri, muito verdade tudo que vc comentou no texto. Uma vez fui entrevistado e disseram tanta coisa que eu não falei, fiquei triste com a forma com que lidaram com a minha entrevista, me senti usado, sabe? =(
=*
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