"Nunca conheci quem tivesse
levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo."
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo."
Essas palavras vieram-me à lembrança após uma aula sobre identidade, imagem e reputação, parte do conteúdo que ensino em sala de aula. Assistimos a alguns vídeos institucionais que, mesmo sendo de empresas diferentes, eram conceitualmente iguais. Apresentavam organizações que, como no poema do autor português são todas, sem exceção, "princesas na vida".
Pouco depois daquela aula, encontrei com amigas em uma festa, que falavam sobre as empresas onde trabalham. Mais uma vez, embora diferentes, os discursos corporativos eram os mesmos. A diferença é que, nesse caso, as organizações eram retratadas não sob o ponto de vista da identidade projetada, mas da imagem percebida pelos seus funcionários.
Notei, neste papo de amigas, o quanto parece aumentar o hiato que existe entre o discurso corporativo, controlado pela empresa, e a percepção de seus públicos, ou imagem, impossível de controlar. Embora trabalhem em uma empresa bacana, recebam salários adequados e convivam em harmonia, queixavam-se da distância entre o discurso corporativo e a prática cotidiana da liderança e das relações trabalhistas.
Como profissionais de comunicação, repetimos com frequência o discurso da sustentabilidade, do respeito às pessoas, da inovação. Mas o que vemos nas reuniões de diretoria são cortes orçamentários, líderes focados nas tarefas e não nas pessoas, desperdício de recursos, de talentos. Profissionais de destaque são os que ficam longas horas em seus escritórios, cercados de gadgets de última geração, conectados virtualmente ao mundo dos negócios. Sem conexão com pessoas.
Parece-me que o discurso corporativo, além de homogêneo, tem se transformado em algo vazio. Quer um exemplo? A super valorização do cliente, estampada em anúncios e materiais comunicacionais. Na prática, cotidianamente somos tratados de qualquer maneira em caixas de supermercado ou na demora dos atendimentos dos call centers. Pessoas desmotivadas, mal remuneradas e pouco treinadas nos dirigem palavras ásperas e raros sorrisos...
Dia desses vivenciei, em um grande hipermercado, o quanto um discurso corporativo pode ser absolutamente vazio. Raramente vou ao Wal Mart. Fica longe de minha casa. Mas outro dia eu fui. Chegando lá, fiz minhas compras e fui procurar um caixa. De repente, encontrei um caixa preferencial para quem não usava sacolas plásticas. Feliz da vida, entrei na fila onde só havia uma pessoa em minha frente. Ela não tinha sacolas retornáveis. Perguntei à profissional no caixa se eu não teria preferência. Ganhei um sonoro não como resposta. Como se não bastasse, o casal à minha frente levou toda a compra mensal em sacolas plásticas.
Quando chegou a minha vez, perguntei à caixa porque eu não pude passar na frente, uma vez que o caixa era preferencial para quem não usava sacolas plásticas. Ela me disse que o cliente ficou furioso com minha pergunta e que ninguém vê a tal da placa que indica a fila preferencial (na foto dá para ver que ela existe e é bem grande!). Perguntei então por que ela entregava sacolas plásticas naquele caixa. Ela disse que os clientes ficavam bravos. Chata como só eu sei ser, perguntei então o motivo daquela placa, já que ela não significava nada. Ela ficou muda.
Tentei procurar um gerente após o episódio, mas não encontrei nenhum. Fotografei a tal da placa, que entrou para o rol dos discursos corporativos vazios. Falha na comunicação interna e treinamento. Se a tal placa foi colocada ali, deve estar alinhada ao discurso de sustentabilidade da loja. Falha na comunicação com o cliente, que não percebe a sinalização e pega fila sem ter sacolas retornáveis. Talvez seja algo que a liderança da loja decidiu fazer apenas porque está na moda, não porque acredite verdadeiramente.
Uma vez trabalhei em uma mineradora que pregava ostensivamente a sutentabilidade. A liderança era a maior campeã do desperdício, fazendo eventos desnecessários, viagens que poderiam ser evitadas, materiais de comunicação esquecidos em um depósito. Meu chefe, que era de Recursos Humanos, vivia pedindo à equipe favores pessoais, como compra de cigarros ou busca de encomendas em sua casa. Recursos corporativos usados de maneira desnecessária.
Ensino sempre aos meus alunos que o profissional de Relações Públicas não deve mentir, inventar ou criar uma identidade maqueada para uma organização. Também não pode falar mal da empresa que paga seu salário. Mas acho que é hora de sermos mais críticos em nossos discursos institucionais. Pessoas não são bobas nem se deixam enganar facilmente. Assim como Álvaro de Campos, organizações não são todas elas certas em tudo. São agrupamentos de pessoas, por sí mesmo falíveis.
Talvez o caminho para se aproximar um pouco mais a identidade da imagem passe pela conscientização de gestores. Foco em pessoas tem que se traduzir em relacionamentos de qualidade, tanto internos quanto externos. Chega de discursos baseados em modismos organizacionais. Cada vez mais, buscamos transparência. E estão aí os profissionais de Relações Públicas para exercerem muito bem o seu papel.
2 comentários:
Gostei muito de seu artigo. Regra geral os discursos das Dirtorias das empresas sempre caem no vazio, pois sequer is vendem bem aos seus funcionarios. Ainda, tais discursos são muito efêmeros. Em pouco tempo já estão com novo discurso, em especial se estiver em evidência midiática. Sou mineiro e estou em Goiás. Bom saber que estais bem em minhas Geraes. Sucesso. Jefferson
Olá. Obrigada pelo comentário mineiro de Goiás. Sou Paulista, morando em Minas e já passei uma temporada no Norte de Goiás, em uma empresa cujo discurso era totalmente desconectado da realidade. Vivendo e aprendendo, né? Sucesso para você!
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