Biblioteca do campus Santa Mônica Fonte: www.biolab.eletrica.ufu.br |
Sou contra qualquer tipo de cotas porque acho que o problema não é diferenciar as minorias, com base em critérios de classe social, cor da pele ou tipo de instituição de ensino. Em minha opinião, o desafio é igualar os diferentes, fazendo com que crianças, adolescentes e jovens tenham acesso à educação de qualidade, que começa dentro de casa, passa pelo ensino básico e fundamental e vai até a vida acadêmica.
O sistema alternativo de acesso proposto pela UFU tem falhas. Mas as regras são claras. Só podem participar alunos que efetivamente estudaram em escolas públicas durante todo o segundo grau e parte do primeiro. Apesar disso, muitos jovens praticaram falsidade ideológica ao garantir que cumpriam este critério, quando na verdade estavam matriculados em escolas particulares. Classificados pelo PAAES, foram à justiça para garantir um suposto direito à vaga, mesmo sabendo que haviam feito uma declaração falsa.
Fiquei pensando com meus botões no tipo de profissionais que serão estes jovens, que declaram em falso para participar de um processo do qual não têm direito de participar, entram na justiça para garantir uma vaga em uma universidade pública à qual não têm direito. No futuro, quando participarem de um processo seletivo em uma empresa e por algum motivo não forem selecionados, coisa corriqueira no mercado, irão à justiça também? Aprenderão a conquistar as coisas no "grito"... ou com base em suas competências intelectuais?
Quem recorreu à justiça provavelmente participou também do Vestibular e foi reprovado. Ou seja, não estava qualificado a ingressar na universidade por meio do processo seletivo tradicional, mais difícil e concorrido. O mesmo vale para os alunos que têm o direito a participar do Processo Alternativo. Por um motivo comum, ambos estão despreparados para concorrer em condições de igualdade por meio do vestibular: a baixa qualidade do ensino, quer nas escolas públicas ou particulares. O baixo nível de aprendizado e formação dentro de casa, condição fundamental para que uma criança, por exemplo, desenvolva o prazer da leitura.
Tenho 42 anos. Exceto por uma série, todos os meus estudos foram feitos em escolas públicas, estaduais. Lembro-me com carinho do Educandário Pestalozzi, do Barão da Franca e da Escola Estadual Torquato Caleiro, estabelecimentos de ensino de Franca, onde vivi a maior parte de minha vida. Nos bancos dessas escolas tive professores como D. Isolema, que me fez adorar a língua portuguesa; D. Ulda, que me levou em longas viagens pela história do Brasil e da humanidade; D. Rita, que me ajudou a gostar de arte; Pepeu, que me ensinou contabilidade. Antes deles, tive meus pais como professores das letras, das artes, da vida e da cultura. Meus pais me ensinaram a amar os livros e respeitar as palavras. Venho de uma família de classe média, que passou dificuldades financeiras, mas que valorizava imensamente a cultura, a educação, a formação dos filhos.
Hoje, infelizmente, os pais pagam para que os filhos sejam educados, mas se envolvem pouco porque eles mesmos lêem pouco, vão pouco ao cinema, ao teatro, viajam pouco na imaginação das crianças. Melhor assistir Big Brother a ler juntos um livro de estórias, de poemas ou mesmo a Bíblia. Melhor aceitar que o filho declare em falso para poder participar de um processo mais fácil de ingresso à faculdade. Melhor contratar um advogado para garantir uma vaga na marra do que incentivar o jovem a estudar um pouco mais.
Quando chegou minha hora de prestar vestibular, há 20 anos, nem se cogitava a possibilidade de pagar faculdade particular. Era pública ou nada. Não consegui passar na USP, que era o que queria, mas passei em Londrina e fui, sozinha, com pouca bagagem, pouco dinheiro e muita, muita vontade de aprender. Lutei sozinha muitas lutas. Senti medo, dor, tristeza, chorei muito, passei apertos, mas tudo valia a pena. Aprendi a me defender sozinha. Aprendi que para vencer eu teria que ser muito boa. Teria que estudar muito mais, ler muito mais, gastar muito mais tempo para assimilar conteúdos difíceis e novos. Por mais que pudesse contar com o apoio dos meus pais, a partir dali eu começava a fazer meu caminho.
Respeito o direito desses jovens de entrar na justiça para tentar garantir uma vaga na UFU. Mas daqui a pouco eles irão lidar com provas difíceis, com prazos apertados, com professores exigentes. Terão que se dedicar imensamente para acompanhar aulas, escrever trabalhos, fazer provas. Em quatro ou cinco anos, chegarão ao mercado do trabalho, onde disputarão vagas com jovens mais ou menos qualificados. Receberão algumas respostas positivas, outras negativas. E terão que lidar com elas com base em sua competência intelectual e emocional. Sem liminares na justiça, sem tentativas de burlar as regras.
Pensamentos que me afligem, visualizando a sociedade que iremos deixar para os que virão depois de nós.
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