A cada dia que passa, percebo que nos transformamos cada vez mais em estatísticas. Deixamos de ser pessoas para sermos simplesmente dados. O mercado, com seus tentáculos poderosos, nos enxerga a todos como cifrões, aquele símbolo mundialmente conhecido que representa o dinheiro. Valemos se, de alguma forma, podemos gerar lucro para as organizações. Somos avaliados mais pelo que temos (carro, casa, roupas da moda) e menos pelo que somos (bacanas, inteligentes, gentis).
Hoje cedo, depois de sair de uma bela celebração religiosa, fui ao supermercado. Tenho evitado ao máximo as grandes redes, mas não dava mais para adiar. Recentemente passei a comprar tudo que preciso na feira e em um pequeno supermercado perto de minha casa. Nestes espaços, sou recebida pelo meu nome, me sinto gente. Simples assim.
Mas hoje precisei ir ao Carrefour. Já vou achando ruim. A loja parcialmente vazia, apenas três ou quatro caixas atendendo. Filas. Isso já virou rotina e foi um dos motivos que me fez parar de ir até esse lugar horroroso. Quando passei pelo caixa, para minha surpresa, a moça inexpressiva me disse que eu havia ganho um ingresso para o cinema. Oba! Que delícia. Até que comecei bem a manhã, uma vez que em mais de 15 anos fazendo compras naquele lugar foi a primeira vez que ganhei alguma coisa.
Dirigi-me até onde a moça me indicou. Chegando lá, para minha surpresa, não podiam me entregar o ingresso. A promotora de vendas que fazia tão entrega só chegaria depois do almoço. Eram pouco menos de onze horas. Perguntei se poderia então pegar o ingresso um outro dia qualquer. Ela me disse que não, era apenas para hoje. Pedi para falar com a gerente. Ela cruzou os braços, disse que também achava ruim aquilo acontecer, mas não poderia fazer nada. Pediu-me que voltasse ao balcão de atendimento e registrasse formalmente minha reclamação.
Já vi essa gerente outras vezes fazendo coisas absurdas, como bater boca com cliente e organizar filas enormes ao invés de abrir novos caixas. Ela deve olhar para a gente e enxergar apenas nosso ticket médio. Deve ficar satisfeita no fim do mês, porque o movimento da loja segue crescente. Mas ela deve trabalhar o dia todo sem receber um sorriso. Sem ajudar ninguém. Imagino que a criatura olha para todos os lados e vê apenas cifrões. Fico pensando na pessoa por trás daquela resposta fria, de quem só está ali para obedecer ordens. Nada mais.
Enquanto isso, na feira, dia desses comprei uma manga e ela estava estragada. Não vi quando comprei. No fim de semana seguinte, comentei com o feirante. Na hora ele me deu uma nova. Descascou uma outra na minha frente e me deu um pedaço para experimentar. E ainda me disse que sempre que isso acontecer, basta eu avisar. Compro todas as semanas nessa barraca. Eles sabem quem sou, conhecem meus hábitos, cobram preço justo. O mesmo acontece no pequeno supermercado do bairro, onde os caixas são sempre os mesmos, passam pela gente com um sorriso no rosto.
Ando refletindo muito sobre sustentabilidade. Quando compro em um lugar como o Carrefour, estou apenas contribuindo para que empresários fiquem mais ricos, às custas de mão de obra barata e promoções enganosas. Sou apenas um cifrão. Quando compro na feira, ajudo o feirante, o distribuidor, o pequeno produtor. Quando compro no mercado do bairro, vejo que quem me atende é meu vizinho. São os mesmos funcionários há anos. Eles sorriem para a gente. Nos enxergam como pessoas, não como cifrões.
Considero seriamente a possibilidade de abolir hipermercados da minha vida. Quando precisar, muito mesmo, posso andar um pouco mais e tentar Extra ou Bretas. Lá também serei cifrão, mas pelo menos não me sinto tão ludibriada.
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