Resolvi aproveitar o lixo que os candidatos às eleições de outubro costumam jogar em minha caixa de correio e debaixo do meu portão, diariamente. Jornais, folhetos e impressos em geral são usados aqui em casa para catar caca de cachorro. Ou para forrar o chão onde eles fazem xixi. Já que não existe consideração com nossa casa, com nosso direito a não ter a caixa postal ou o portão da garagem entupido de papel, resolvi aproveitar esse lixo todo para uma finalidade importante, que é deixar minha casa livre das caquinhas das duas criaturas caninas que dividem a casa comigo.
Quisera eu poder fazer alguma coisa com a poluição sonora também. Carros de som no último volume invadem minha casa todos os dias. Eles passam repetidas vezes pelas ruas do meu bairro, enfatizando números e nomes, sem nenhuma proposta concreta dos candidatos. Se por um lado as músicas são chatas, são eficientes. Sei de cor o número de vários candidatos em quem não vou votar de jeito nenhum. Dia desses, na verdade, quase desisti de votar em um político que admiro, por causa do carro de som. Absolutamente nada a ver com ele, uma musiquinha brega, em tom de axé, para uma pessoa que considero um intelectual. Na tentativa de se aproximar dos eleitores, os profissionais de marketing e comunicação que o assessoram devem ter sugerido essa ferramenta popularesca e vazia de propostas.
Meu bairro é uma pequena cidade. Aqui acontece de tudo. Dia desses eu estava caminhando e vi uma carroça equipada com caixas de som e fazendo propaganda de político. Uma carroça, puxada por um cavalo, que provavelmente estava sofrendo com aquele barulho todo. Mas o mais inusitado aconteceu sábado, na feira. Enquanto eu escolhia frutas, um político cuja candidatura está impugnada pela justiça, fazia campanha junto aos feirantes e aos consumidores. O carro de som não podia entrar na feira. Sem problema. Dois rapazes, carregando uma caixa de som nas costas, dentro de uma mochila, seguiam o candidato e providenciavam a trilha sonora para que ele pudesse continuar cumprimentando pessoas e fazendo campanha. Um de seus assessores, quando perguntei para que aquele barulho todo, se ele estava impugnado, simplesmente me respodeu: quem tem dinheiro não tem a candidatura impugnada. E la foi ele, de banca em banca, incomodando todo mundo. Além de não respeitar a privacidade das pessoas, essa campanha vai também deixar muita gente doente. Imagine os dois jovens com as caixas de som nas costas. Que sejam cinco horas por dia andando atrás do candidato ouvindo a mesma musiquinha chata, em alto volume. Ao fim do dia, quando eles vão dormir, a música não deve sair da cabeça deles... Penso também nos pobres coitados que ficam agitando bandeiras pelas esquinas. Será que recebem protetor solar? Será que usam bonés? Será que recebem água? O clima em Uberlândia está deixando a gente doente dentro de casa, imagina nos semáforos? Se bem que, nas últimas semanas, os "porta-bandeiras" foram substituídos por placas com fotos, nomes e números de candidatos, que invadiram praças, canteiros de avenidas, terrenos.
A justiça eleitoral criou várias regras para tornar a campanha mais limpa, mas de nada adianta. A cidade está suja. Poluição visual, com as placas espalhadas pelos quatro cantos e muito papel pelas ruas. Poluição sonora, com os carros de som berrando números. Falta de respeito ao trabalhador, com pessoas submetidas ao sol quente tremulando bandeiras vazias. A imprensa local deu espaço para os candidatos ao governo estadual. A imprensa nacional dá espaço para os candidatos à presidência. Por que não convidar os candidatos a deputado em nossa região para participar de entrevistas? Promover debates para que possamos conhecer as idéias? Talvez os comícios fossem menos barulhentos que os carros de som. Os outdoors eram pagos e geravam renda e trabalho. Os cartazetes de hoje devem ser colocados de graça e se a justiça mandar, são retirados rapidamente.
Para fechar, também me entristece e choca a influência que as pesquisas têm sobre o brasileiro. A eleição ainda nem aconteceu e já existe uma candidata praticamente eleita. Para que eleição então? Para que lutamos tanto para escolher nossos candidatos democraticamente? Para que tanto papel jogado fora, tanto barulho pelas ruas? Tem quem acredite que perde o voto se escolher um candidato que não é lider nas pesquisas. Na verdade, perdemos o voto quando exercitamos nosso direito sem cidadania. Perdemos o voto quando escolhemos políticos corruptos. Perdemos o voto quando somos "Maria vai com as outras".
Estamos vivendo um momento bonito de nossa história. A festa da democracia. Um tanto quanto desrespeitosa com o cidadão, mas ainda assim, é preciso participar, ler, buscar informações e, principalmente, manifestar-se contra o que está errado. Mesmo que seja apenas em seu ponto de vista...